quarta-feira, 30 de maio de 2012

Cotidiano

Segunda-feira Florianópolis amanheceu sem o mesmo furdunço característico. No centro, as ruas vazias indicavam que alguma coisa não estava normal, algo parecido com os feriados em que a cidade, de manhã, parece fantasma, e na beira-mar, o som uníssono dos carros dava certa paz. Às 6h da manhã a chegada ao terminal de integração do Centro foi uma surpresa, não havia ônibus, vendedores de passe e aquela correria de cidade grande. Alguns metros dali, na Rodoviária Rita Maria, pessoas se aglomeravam para entrar em vans, pegar caronas legais, táxis ou motos. 

Na redação do jornal o alvoroço era grande. Telefones tocando como loucos, repórteres correndo como loucos. Tem que descer agora, apurar a situação, vamos! Anda, descarrega as fotos, escreve o texto, liga para o sindicato, alguém sabe se terá a reunião da uma e meia? Cadê o celular? Cadê o rádio? Cadê o fotógrafo? Alguma informação nova? Espera, escuta, o prefeito está dando uma entrevista na rádio! Que absurdo. Eles não estão cumprindo a legislação, têm que ser punidos mesmo. Temos que ver como será cobertura de hoje. Ligaram para passar uma pauta, acho que pode ser interessante. Não dá, hoje está complicado.

O dia segue, e em um dos horários mais agitados no trânsito, quando todos saem para almoçar, pais buscam os filhos no colégio e há pessoas indo para seus trabalhos, o tráfego flui tanto na Avenida Mauro Ramos, quanto na Bocaiúva. O taxista fala, tranquilamente, que apesar do congestionamento, um pouco além do normal nas primeiras horas da manhã, aquele ali era o trânsito de sempre para o horário, mesmo para a situação atípica em que cidade se encontrava. Seu faturamento também mudou pouco aquele dia. Como fica tudo parado, ele, o faturamento, não consegue nem sentir o gostinho de um aumento significativo.

Bancos funcionando normalmente. As transações são feitas imediatamente, enquanto os outros caixas livres conversam com um cliente sobre maratonas. Apesar de ser um dia de semana, as filas se extinguiram e em menos de cinco minutos qualquer atividade bancária poderia ser realizada. As ruas Felipe Schmidt, Tenente Silveira, Conselheiro Mafra e Vidal Ramos continuavam com o mesmo burburinho de semana passada, com exceção dos vendedores ambulantes que quase não eram vistos e daqueles carinhas que ficam empurrando papeis publicitários.

Chego, enfim, ao restaurante e me junto em uma mesa com mais dois companheiros. O assunto é o mesmo da cidade toda (menos das caixas do banco que falavam sobre maratonas). Conversa vai, conversa vem. Sou contra, sou a favor, eu era a favor, mas não tive como ir trabalhar hoje então, agora sou contra. O almoço chega. Entre uma mastigada e outra, mais papo. Eles são desorganizados. Por que eles não rodam sem cobrar a passagem? O povo ia ficar feliz, eles continuariam o protesto e ferrariam com os donos das empresas. É, acontece que depois eles seriam demitidos. Acho um abuso desses caras. Eu também quero trabalhar menos e ganhar mais, mas nem por isso saio por aí fazendo greve. É direito deles, ganham mal, trabalham muito, têm família para sustentar e isso é o cenário de milhares de trabalhadores aqui e no Brasil. É, mas eles prejudicam as pessoas que, assim como eles, precisam trabalhar para garantir o sustento da família. 

A conversa começa a esquentar. Pedimos uma cerveja para molhar a garganta. Exalto-me com as posições dos meus colegas de almoço. A única coisa que fizemos em meia-hora foi acusar e defender. Não pensamos em possíveis soluções e isso me inquieta. Entre os goles de cerveja, pergunto a eles o porquê diabos não temos um metrô ou transporte marítimo. Eles param de falar um segundo e começam a pensar. Não sabem me responder e, eu também não sei a resposta, mas a pulga ficou atrás da orelha. Por que o governo não dá de uma vez o que eles querem? Vai aumentar a passagem. Na verdade, se a gente pensar bem os donos das empresas de transporte são ligados à política catarinense, não? É, o prefeito é dono e uma, e o careca lá que também foi prefeito, de outra. Sério? Eu não sabia. Nem eu. Quase ninguém sabe. 

Olho ao redor e o restaurante está cheio. As poucas conversas que eu escuto são em tom acusatório para um lado ou para outro. Ironicamente, os discursos parecem cópias dos jornais. As outras são de temas cotidianos: família, carro que tem que pegar na oficina para não ficar a pé e por aí vai. O que será que vai acontecer na novela hoje? Malditos ônibus, vou me atrasar para o inglês. Mas você não se atrasa sempre? Sim, mas antes era por causa do engarrafamento e não da preguiça deles. Vamos a festa da julinha? Cara, vai ter show do Luan Santana semana que vem!

Volto da minha breve dispersão. Os meus dois colegas haviam mudado de assunto e conversavam empolgadamente sobre o futebol de quarta-feira. Na minha cabeça fervilhava a ideia do metrô e do transporte marítimo. Também me perguntava por que não tinha nenhum protesto nas ruas, afinal, onde estão os motoristas e cobradores? E se todos estão indignados por que não saem da mordomia dos carros e também protestam contra os grevistas? Por que aqueles que conseguem as vans, as caronas legais, as motos e têm seus carros parecem não sentir a falta do transporte público? 

Sou eu um elitista de merda que ganha mais de mil e trezentos reais por mês, é sozinho no mundo e ganhou um "feriadão"? Sou eu um simpatizante da causa que luta com palavras para defender os diretos de quem quer uma vida melhor? Sou eu um burguês intelectual que apóia a classe, mas que pondera seus excessos? Sou eu um militante que vai às ruas brigar pelo que acredita? Ou, sou eu um cidadão que, como inúmeros, não ousam se meter nas sombrias entranhas da política e por isso prefere as dúvidas e o achismo?

Ilustração: Gessony Pawlick Jr.
Thaís Teixeira

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