segunda-feira, 9 de julho de 2012

Chamado de Assis

Há tempos não consigo ter tempo para parar e assistir ao filme do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, do falecido Machado de Assis. O filme me chama, eu vou e não vou e acabo não indo mesmo.

Em um tempo nem tão passado arrisquei matar essa maldosa vontade, e quase deu certo, mas no final não deu. Frustrei-me a tal ponto que talvez eu nem tenha mais essa vontade de assistir. É um desejo saudoso, mas coxo. Sublime e nostálgico, mas coxo. Se sublime, por que coxo? Se coxo, por que sublime?

Pausa... Estou aqui falando dessa vontade minha. Você sequer perguntou algo de mim. Existe, espero que exista, uma coisa comum entre o autor dessas palavras, e o barato leitor. Essa coisa em comum é o apreço por Machado de Assis.

Se o escritor não é o fato que nos une, mantenha seus olhos correndo por aqui mesmo assim, pois estou falando da insana vontade que o ser homem tem de satisfazer seus desejos, a cada encontro de esquina com qualquer rabo de saia, essa mania de ter ideias fixas.

A história de Brás Cubas chegou a meu conhecimento pela via mais comum, a escola. Choquei-me com aquele texto denso, palavras difíceis, confusão, dicionário, paciência, mas um livro escrito por um defunto autor e não por um autor defunto.

As memórias são interessantes desde a dedicatória. Comumente as obras vão para mãe, pai, filho, filha, mulher, marido, Pati, Laura. Nunca para uma sogra. Brás Cubas também não dedica a uma sogra, mas ao verme que primeiro roeu as frias carnes do seu cadáver.

A história do defunto, enquanto vivo, é assustadoramente comum. Não há nada, absolutamente nada, que a diferencie de uma história mundana. Entretanto, Brás não conta sua história em ordem cronológica e como usa aquele maldito português excludente do Rio da década de 19, temos nas mãos um quebra-cabeça linguístico de 160 peças para montar.

Depois que montei, algumas peças estavam no lugar errado. Afastei-me daquele brinquedo e outros me atraíram. A gente é assim, sempre persegue sensações, desejos, deleites, refris. Nem eram outros livros que me satisfaziam. Era jogar bola, ver TV, dormir, enfim, masturbar a alma com imprescindíveis futilidades.

A tristeza está batendo à minha porta. Talvez o emplasto curador da melancolia da humanidade sirva. Ou ainda, a filosofia de Quincas Borba, a filosofia do humanitismo. Sim, a dor é uma ilusão. A dor inexiste.

Eis que, por meio do cinema, a história de Machado de Assis me chama.

_ Olá, lembra de mim?
_ Sim, lembro.
_ E por que me negas?
_ Apenas porque tenho mais o que fazer.
_ Sabias que estou nas telonas?
_ Tenho conhecimento sim.
_ E não te interessas?
_ Não tenho tempo para ti.

_ Para o tempo não importa o minuto que passa, mas o minuto que vem.
_ ?!
_ E me trocaste por quem? Fitzgerald, Gabito, ou pelo português saramaguento?
_ Você gosta de fazer pergunta, heim?
_ Entendi, achas que no cinema Brás Cubas não deu certo.

Não alonguei o diálogo com o filme de Brás Cubas. Ele tinha mesmo toda razão e não entenderia se eu dissesse que a rotina me consome a tal ponto que nem os prazeres antigos são prioritários.

Deixei a consciência ali desesperada. Decidi arejar a mente e fui à sacada. Eu não queria uma brisa, queria um vento encanado e capaz de me deixar doente e acamado para receber a visita do amigo que discursará no meu enterro e também das minhas Virgílias. Dormi, dormi um sono leve e dormi sem filme, assim como Brás Cubas morreu sem filho.

Crédito da ilustração: Gessony Pawlick Jr.
Nícolas David

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