quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Escritores não tiram férias

Cristina Souza

Fui comprar uma tapioca e uma senhorinha me atendeu. Ela era pequena e fofinha, do tipo avó que faz bolinho de chuva no domingo. Seus óculos disfarçavam o olhar cansado, e suas mãos ágeis e enrugadas fizeram a melhor tapioca do mundo. Quando falei isso a ela, foi com um sorriso tenro que me agradeceu. Despediu-se falando para que eu ficasse com Deus. 

Se tivesse tocando uma música na voz de Caetano Veloso e a cena estivesse em preto e branco ficaria ainda mais poético. Eu imaginei isso, em vez de só fazer o meu pedido, comer, pagar e ir viver minha vida, como faz a maioria. Isso me fez perceber que queira ou não, sou escritora. Porque quando você escreve, quando isso vem de dentro de você, você não tem descanso. Qualquer coisa vira poesia, crônica, pauta. Qualquer coisa mesmo.

Para comprovar isso, desafiei-me a olhar o primeiro objeto a minha frente e pensar se conseguiria escrever algo sobre ele. Era uma paçoca. E, por incrível que pareça, eu tinha muito a dizer sobre a paçoca. Poderia fazer um texto nostálgico falando que a paçoca me lembra as tardes longas em que esperava ansiosamente a mãe chegar do mercado, só para poder saborear a deliciosa paçoca, que na época custava dez centavos. 

Ou, um texto dramático sobre um casal que brigou porque ela presenteava ele com paçocas e ele, por não gostar, entregava tudo para a vizinha, que logo – como em todo romance dramático, apaixonou-se por ele e suas paçocas contrabandeadas. Ou ainda, um texto engraçado, sobre o seu Washington, que nunca conseguia dizer seu nome enquanto comia paçoca sem causar um grande estrago a quem estivesse na sua frente. Era farelo para tudo quanto é lado, pobre Washington Paçoca.

Viram só? Qualquer coisa pode virar assunto, porque uma vez que você é mordido pelo bicho da literatura, nunca mais você será o mesmo. Uma vez que você resolve escrever sobre algo e enxerga o mundo através das lentes de um escritor, nunca mais terá férias. Mente de escritores – e de jornalistas – nunca descansam. Vai lá, pode até tentar tirar férias. Mas, com certeza suas férias irão virar um ótimo conto. Para quem escreve, tudo vira história: retratamos a alegria, as dúvidas, as paixões avassaladoras, as conquistas e principalmente as tristezas e angustias, que geralmente rendem textos ainda mais belos.

O escritor é sensível, fugaz, observador. Escuta tudo atentamente, lê muito e sempre acha que o seu texto poderia melhorar. Escreve grandes reportagens em minutos, demora dias para um poema de duas estrofes – afinal a criatividade é mesmo imprevisível, tão imprevisível que pode chegar quando você vai simplesmente comprar uma tapioca. Mas um alerta: podemos sim escrever lindamente sobre coisas que pareceriam sem graça, o que não significa que estamos dizendo a verdade. A verdade é sem graça. Mas a versão que cada um faz dela, essa sim é maravilhosa.

Algum célebre da literatura disse uma vez que escritores são incapazes de dizer a verdade, justamente por isso que o que escrevem é denominado ficção. Concordo em partes. Afinal, se fomos retratar a verdade nua e crua iremos morrer de fome (assim cheio de floreios já quase morremos), mas não significa que inventamos tudo que dizemos. Por mais ficção que seja aquilo que foi dito – ou escrito – sempre existe algo de verdade, nem que seja nas entrelinhas. Em cada construção de parágrafos há alguma referência do que foi lido, presenciado, ouvido ou até mesmo vivido por aquele que segura a caneta, digita no teclado ou escorrega os dedos pelo touch screen.

Escritores são escritores mesmo sem querer. Somos todos meio malucos, é verdade, mas quem liga? Zé Ramalho já dizia: tem loucos que se olham no espelho e se acham normais. Um brinde à todos nós, que independente do tipo de literatura que prefere produzir, consegue enxergar o mundo, as rotinas, e as coisas que ninguém da a mínima com um pouco mais de sensibilidade e leveza.

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